terça-feira, 15 de março de 2016

"As três graças" por Liana Zakia

Praça da Sé, Marco Zero, São Paulo. Ano 2016. 7 de março.

Tomada por grande dose de adrenalina me posiciono e apoio as mãos no monumento central, me debruçando sobre o estado do Paraná. O dia está quente e por isso emana da pedra um calor que rapidamente é absorvido pelo meu corpo, na tentativa não tão consciente de, me sentir ali, como parte fundamental da superfície da paisagem. Este meu ato, carregado de uma presença irremediável, reverbera no outro e o afasta de mim, como se, por um instante, eu tomasse seu lugar, fazendo-me maior, em força, presença e tamanho. Junto-me às outras, e clamo ao universo qualquer tipo de proteção. Olho em volta, como quem deseja estar sem ser tão visto, mas já é tarde. A praça está habitada por corpos ávidos pelo encontro. Encontros estes que não se explicam mas se compreendem, nas muitas camadas da relação presentificada pela cumplicidade. Com certa rapidez, como lhe é devido, o frio nas vísceras abdominais se dissipa e o calor da pedra-monumento e dos olhares atentos em busca do encontro me confortam e me permitem abraçar o chão com o corpo. Começo então a enxergar. O céu, as colunas catedráticas, as altas e virtuosas palmeiras, as pequenas e perceptíveis fuligens do chão cinzento, as câmeras dos celulares, do tripé, os detalhes, os pés, as pessoas. No entorno, uma energia circular. Algo parecido com aquilo que reconheço como platéia mas, esta, em particular, se encarrega de contemplar e proteger. E assim, me dou conta de que não somos apenas três. Somos muitos. O outro, que de longe nos observa, ainda não se faz visível. Aquele, que tenta a todo custo conquistar visibilidade, não têm êxito e é convidado pelas forças atuantes no “nós”, a se distanciar e abandonar sua voz. Encontro mundos diversos. Converso em um recorte de tempo, com a voz do corpo e dos olhos, gracejando o outro em sua-minha intimidade nublada, em meio aos fios de cabelo que nudam e desnudam meus olhos físicos. E quando sopra o vento mais forte, vejo que já é outro. Outro rosto, outro traje, outra postura, outra atenção, outra busca, outra pergunta, outra presença. Mas o outro, é homem. Só. Apenas. Muitos. A cada gesto e postura criamos juntos uma infinita rede de sentidos. Alguém se pergunta, em silêncio absoluto, o que aquilo quer dizer. E quer dizer? Preciso dizer? Há uma sentença? Acontece que olhando pra ti também vejo apenas perguntas e gostaria muito de poder lhe conceder muitas respostas, se permitir que carreguem em si, a potência das interrogações. A única voz que de fato é dita, imperativa e clara, carregada de intenção, é a voz dele. Nos pede a pausa, em variadas intensidades. A voz, às vezes demora a chegar no corpo, ou talvez, o corpo é que demore a querer escutá-la. Mas acontece e a praça pausa. Nós, os outros, o barulho, os olhares. Simplesmente pausam. Quando reaparece, a voz nos orquestra rumo ao movimento e, aquele outro, antes tímido, é atravessado pelo desejo de brincar, de interferir, de se aproximar, de nos confundir. Talvez tenha encontrado um sentido do estar. Enquanto as escadarias se aproximam, ou, enquanto nos movemos sentido à escadaria, o céu nubla, já que havíamos feito um tratado de antemão, por água leve chovendo no rosto. Calma. Ainda não é hora. Voltem e fiquem perto do poste. Gosta de desenhar sobre o traçado daquela arquitetura. Atravessem apenas quando o sino estiver para soar. E toca. Bate. Não sei como se diz. Sei que ao tocar, vibra o concreto-pedra da escadaria e elas dançam embaixo de nossos pés, causando-me arrepios de baixo pra cima e culminando em um desejo não pré-meditado ou ensaiado de fechar os olhos e sentir meu corpo por dentro. E naquele momento, me torno som, vibração e força e avançando com segurança alguns degraus, ela vem. A única que evocamos. Ela, com sua delicadeza e graça. Amém. Está chegada a hora de rezar o Pai Nosso. 







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