Compartilhamos aqui a escrita/ proposta que foi contemplada pelo Proac 04/16 de Criação em Dança:
RESQUÍCIOS BRUTOS
O seguinte projeto pretende uma
criação de nova obra coreográfica impulsionada pela realização da última pesquisa do Núcleo, quando contemplado
pela Lei de fomento à dança do município de São Paulo. Neste processo, as
elaborações artísticas estiveram vinculadas aos diálogos estabelecidos entre
matrizes de movimento, espaços públicos da cidade de São Paulo e artistas de
outras linguagens que produziram materialidades diversas, tais como textos,
músicas, desenhos e vídeos, a partir de sua relação com o acontecimento.
Estas experiências, seus
atravessamentos e elaborações, deixaram traços no corpo. “Resquícios Brutos”
que serão elaborados na caixa preta, no intuito de dar foco e, através do
limite das regras do palco, ampliar a potência das fisicalidades que estão
sendo investigadas pelo Núcleo.
Serão realizadas 6 apresentações,
duas aberturas de processo e 2 encontros-diálogos com grupos de dança
contemporânea de cidades do interior do Estado de São Paulo.
- O processo criativo e a
abertura de processo serão desenvolvidos na cidade de São Paulo, em espaço a
ser definido.
- Serão realizadas 6 apresentações, sendo 4 na capital e 2 em cidades do interior (Campinas,
Ribeirão Pires, que foi substituída por Araras).
O que será realizado?
· Ações
do projeto;
- Processo criativo: pesquisa
de movimento, composição, estudos de dramaturgia, elaboração cênica e ensaios;
-
Duas aberturas de processo
ao público em geral, a serem realizadas na cidade de São Paulo;
- Dois encontros-diálogos
com grupos de cidades do interior do estado de São Paulo onde serão
apresentadas a obra coreográfica “Resquícios Brutos”;
- 06 apresentações do
espetáculo “Resquícios Brutos”.
· Sinopse
da obra coreográfica
O trabalho de dança contemporânea
“Resquícios Brutos" retrata um processo de condensação: três corpos, três
mulheres, três figuras, impactadas por diversas situações de encontros,
estímulos, impulsos e percepções, que criam sentidos para além de si,
contornados por um vazio que na realidade traz imbricado histórias e memórias
de uma série de experiências de atravessamentos.
· Proposta
de concepção e encenação;
O palco é vazio e não serão
utilizados objetos ou elementos cênicos. Esta condição é pressuposto para este
trabalho. Serão usados recursos de iluminação, trilha sonora e figurino,
elaboradas em um processo de encontros quinzenais com seus respectivos
criadores, nos períodos do processo de criação.
Os artistas convidados para a
elaboração da trilha são DJs com os quais trabalhamos em experimentos
anteriores. Uma concepção que envolve a articulação de sonoridades
pre-existentes.
O artista iluminador colabora com o
olhar que potencializa e revela o discurso do corpo em cena.
O figurinista é convidado a
colaborar de maneira a enfatizar
as relações que se estabelecem entre corpos se movendo em cena.
Introdução
Ao longo do desenvolvimento do
último projeto do Núcleo MIRADA, Projeto Rede CALA, realizamos uma série de 7
Procedimentos Obra em parceria com artistas convidados de outras linguagens
(vide www.nucleomirada.blogspot.com.br).
Tais acontecimentos geraram reverberações tanto em termos de construção de
novas materialidades artísticas,
quanto novos assuntos relacionados aos estudos de fisicalidades,
qualidades de movimentos e de composição em dança.
Após realizarmos estes
Procedimentos Obra, passamos por uma fase de elaboração artística em torno destas materialidades –
textos, sonoridades, desenhos, vídeos e gravações de fala – então produzidas,
ou seja, nos debruçamos em uma pesquisa corporal impulsionada pelos conteúdos
presentes nestas criações.
Por exemplo, a produção de um texto
que se tornou estímulo para a criação de uma nova situação coreográfica ou o
diálogo com uma série de desenhos projetados no espaço ampliado, dentre outros.
Como artistas neste processo, nos percebemos compondo uma rede de elaborações
artísticas que expandem para além do corpo na ação de dança, consolidando o
objetivo do projeto em “rede”, como o próprio nome já dizia.
Desta experiência, que amplificou
os olhares e as experimentações possíveis, surgiu o desejo de retornar para o
estudo do movimento, especificamente. Como todas essas informações que nos
atravessaram e estiveram presentes, nos estimulando criativamente, agora estão
incorporadas? Como damos voz a todos esses resquícios que agora nos integram?
Sentimos que essas camadas de
criação compõe e reconfiguram não apenas as formas de mover, mas também a
maneira de estabelecer as relações entre os corpos e suas organizações no
espaço.
Processo Metodológico
Para o desenvolvimento do Projeto
“Resquícios Brutos” trabalharemos sob alguns fundamentos essenciais:
O compromisso sutil com o que vai
pra cena e é exibido para o público.
Esculpir o trabalho do e no corpo.
Apurar.
Compor com precisão e reflexão. E
repetição.
Clarear o próprio discurso.
Apropriar-se. Condensar os significados das experiências.
Destilar.
Restringir os limites espaciais e
de recursos, escolhendo o trabalho em caixa preta, determinante da relação dos
artistas em cena e público.
Os Porquês:
Ao refletir sobre as
trajetórias artísticas que temos traçado nos últimos tempos, percebemos que
nossos processos criativos têm sido permeados por ações que expandem o campo da
experiência e da experimentação, que muitas vezes geram materialidades
artísticas, para além da dança, que nos cria a sensação de que poderiam ser
desdobradas infinitamente.
Um campo de extrema abertura
no que se refere às propostas de dança que partem: de um diálogo e são
elaboradas a partir de recursos de improvisação; da relação com o espaço
público que absorve muitas camadas de acontecimentos; da relação com as pessoas
que estão em estado de passagem/permanência e não fizeram a escolha de
presenciar uma manifestação artística e das reverberações que sentimos no
corpo, na própria ação e depois na elaboração.
Com um pensamento que tange
os movimentos universais, nos sentido parte desse todo cósmico-urbano, o
expandir e agora, o recolher, como fluxo natural, guiam nossa proposta
artística de “Resquícios Brutos”.
Com tudo isso, atualmente
nos sentimos instigadas e desafiadas a construir um olhar coreográfico e
preciso, que retrate, na medida do possível, o corpo que foi construído ao
longo desse processo de pesquisa, e para tal, estamos selecionando estratégias
criativas que fazem sentido como procedimentos de pesquisa artística.
A pesquisa artística a ser
desenvolvida em “Resquícios Brutos”, consiste em afunilar, cortar e se
aprofundar na investigação de movimentos, subtraindo o entorno (estímulo) por
um instante – a rua, os objetos, os parceiros artistas, os espaços públicos. O
corpo deslocado no vazio, no espaço cênico, a ser observado: como toda esta experiência virou corpo? Como
tomou corpo em forma e conteúdo? E o que disso tudo escolhemos como discurso
corporal?
Estratégias criativas:
-
a escolha do
palco italiano
Restrições e limites: o palco como
lupa
Pré-estabelecer os limites de
criação para aprofundar e sublinhar as especificidades do corpo em movimento e
suas potências de discurso no palco italiano, suas
regras e condições, como estratégia criativa que, de alguma maneira, restringe as liberdades ao mesmo tempo
que potencializa a visualização do que se escolhe compartilhar com o público.
“Liberdade de entender que liberdade é de
fato uma palavra vazia. A vida não é livre, ninguém é livre...muito pelo
contrário. O ser humano é feito de barreiras e limites. São os limites que nos
potencializam. Por exemplo: uma hidrelétrica. Uma hidrelétrica é feita de um
rio que corre. Se ele corre, ele apenas corre. Mas se o rio não pode correr
porque ele foi impedido por uma barreira, ele pode se potencializar em
hidrelétrica. Então, a fidelidade é um acordo, não é moral, não é religioso,
mas é um acordo que a mim, muito me potencializa”. Viviane Mosé (acesso
em10/06/2016 https://www.youtube.com/watch?v=p3O6yjuG8wg)
O estudo do espaço tradicional,
cujas regras implícitas são obedecidas, provoca um processo de reflexão
criativa sobre como percebemos e lidamos com essas regras:
Como pensar no palco italiano como escolha estratégica para
potencializar o próprio discurso? Como uma restrição da perspectiva, que
determina e conduz o olhar, enfatiza o discurso que é revelado em cena? Uma restrição
da sensação de liberdade cênica pode potencializar a obra artística? O que
significaria subverter o palco seguindo suas próprias regras?
- Organização do corpo no
espaço: procedimentos de estudo de investigação das fisicalidades para a
criação.
Processo de elaboração minuciosa,
de um estudo de corpo que partiu de um dos Procedimentos Obra, realizado como
conclusão da série, que trazia como pontos de investigação, diferentes formas
de entrar em relação com o outro.
Essa última ação foi uma primeira
destilagem de todas as experiências e deu origem a um roteiro de procedimentos
de investigação de fisicalidades que são apoiadas em maneiras específicas de
estabelecer relação entre corpos:
1) Caixa: ocultar, canalizar e
revelar vibrações que tomam forma e ao pouco se projetam para o espaço;
2) Colocar: conduzir partes do
corpo alheio para o chão;
3) Conversa: descobrir
acordos, dialogar em consonância com os caminhos que surgem entre os corpos em
contato e movimento;
4) Graça: movimentação que
surgiu da sensação do Procedimento Obra “As três graças”. Uma movimentação
flutuante, movida por impulsos sutis;
5) Estímulo: um estímulo tátil
preciso que se reverbera em movimento na sensação que gera no corpo do outro;
6) Resistência: criar um
movimento em resistência na direção contrária do toque que um corpo exerce
sobre o outro;
7) Vai-vem: movimentos
fragmentados em contato que vem e vão, com mudanças de trajeto e pontos de
toque neste ir e vir;
8) Atravessar: Uma ação de um corpo que busca tocar o
outro, que se desvia antes de ser tocado;
9) Tirar o chão: tirar o
apoio, promovendo a queda do corpo do outro;
10) Barreiras: um corpo tenta se deslocar no nível baixo e médio,
enquanto outro cria resistência e o terceiro se posiciona como obstáculo;
11) Super estímulo: excessos de
toques no corpo do outro, que geram movimentos levemente compulsivos, pequenos
e velozes.
Esses estímulos, investigados
durante o procedimento, serão estudados, elaborados e coreografados em
“Resquícios Brutos”.
Um dos grandes desafios desta
escolha de pesquisa artística é encontrar estratégias para manter o frescor no
corpo de uma estrutura coreográfica, que será esculpida cenicamente e
pré-definida. As formas de acessar as conexões e inter-relações entre corpos,
sonoridades e luz serão estudadas e trabalhadas ao longo do processo e, por
isso, a presença dos criadores de luz, som e figurino serão essenciais para o
desenvolvimento da obra coreográfica.
Também teremos uma profissional
convidada como um olhar externo para colaborar neste processo de apuramento das
escolhas cênicas e estudo do movimento.
· Perfil
do público-alvo;
A previsão é de um público juvenil
e adulto (acima de 12 anos).
· Estimativa
de público;
Capacidade total dos teatros a
serem ocupados.
· Plano
de Divulgação envolvendo todas as ações do projeto;
Nosso plano Estratégico de Comunicação e
Divulgação ocorrera da seguinte maneira:
.Contratação de uma assessoria de imprensa
especializada em artes cênicas que acompanhara o projeto durante a sua
pré-produção, produção e pós-produção através das seguintes atividades:
.Desenvolvimento de um release;
.Desenvolvimento de fotos para divulgação do
espetáculo e das ações de contrapartida (Aberturas de Processo e
Encontros-Diálogos);
.Distribuição de fotos e release em várias
mídias como: jornais impressos, jornais on line, rádios, TVs, etc.;
.Desenvolvimento de convite on line para
ser enviado via e-mail, facebook, etc.;
.Desenvolvimento de convite gráfico para ser
distribuído em locais ligados a dança como: universidades, estúdios, teatros,
bares, etc.;
.Desenvolvimento de programa gráfico para ser
distribuído ao público antes das apresentações.
Quando será realizado?
· Cronograma
de trabalho, conforme o prazo máximo previsto neste Edital;
CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO
Mês 1
Reuniões e preparativos para o início do
trabalho.
Agendamento dos ensaios.
Organização da equipe de trabalho e dos locais de
desenvolvimento do processo criativo.
Mês 2
Início dos trabalhos em estúdio: 3 vezes por
semana, 4 horas por dia.
Mês 3
Ensaios do trabalho.
Negociação de pautas para apresentações.
Concepção dos materiais gráficos do projeto.
Mês 4
Produção dos materiais gráficos do projeto.
Continuidade dos ensaios.
Organização de pauta para apresentações.
Primeira abertura de processo.
Mês 5
Continuidade dos ensaios.
Segunda abertura de processo.
Início da divulgação dos materiais gráficos.
Mês 6, 7, 8 e 9
Início das apresentações de Resquícios Brutos e
Encontros-Diálogos
Apresentação do relatório final e
prestação de contas.
Contrapartida:
Realização de 06 apresentações
gratuitas da obra coreográfica.
Escolha de teatros em condições de
acessibilidade.
Dois dias de abertura do processo
criativo, a serem realizados no munícipio de São Paulo.
Dois Encontros-Diálogos
Artísticos Pedagógicos, a serem realizados nas cidades do interior, propondo
uma articulação com grupos de dança locais para conversar sobre o processo
criativo deste trabalho.
Pikape
Abaixo, registros do 7º procedimento obra "Pikape", realizado na Pça. das Artes, 18/05 às 17h, com os artistas convidados Bruno Navarro e Danilo Pêra atuando nas pick ups de discoteca.
Playlist de Vídeos (1/6):
Fotografias:
Relatos Escritos
São Paulo 21 de Março de 2016.
Avenida Paulista: Vão do MASP. Na calçada. As Vacas. Por Liana Zakia
Nada melhor do que uma boa pisada pra ensinar o caminhar.
Ninguém ensina que devemos andar pra frente. Mas andamos, saímos desde o primeiro passo, rumo ao visto, visível, ao objetivo, objeto, ao chamamento de alguém ou algo que nos espera ansiosamente, para presenciar o passo original, aquele! Sem volta!
Assim, em cócoras ou levemente abaixado para alinhar olhos com olhos há de haver alguém.
Não se saber quando vai se dar mas, sabe-se que, a partir dali, será uma série de muitos, que tendem a transformar em jeito, peso e medida, ao longo de toda uma vida. É um saber, conquistado não por todos, mas por maioria.
Naquele lugar, me pareceu que todos apreenderam o caminhar muito bem. Tarefa cumprida. Tem de muitos tipos, grandes, pequenos, calçados, limpos, sujos, em salto alto, em sapatos fechados e abertos, coloridos ou monocromáticos. Tem os que produzem som, os silenciosos, os que pisam mais pra borda de lá ou de cá. Os com cadarço, elástico, rasgados e até mesmo os elegantes.
São pés. Que ante pés, traçam seus deslocamentos com êxito, sem que nada ou ninguém os bloqueie.
Mas para onde é que estão indo? O trajeto parece certeiro. Não me parecem desviar, ou traçar linhas indecisas. São diretos, firmes, rápidos, indesviáveis...mudam seus rumos somente quando sentem-se ameaçados por mulheres-vacas, postes, sujeiras ou qualquer outra estranha “coisa”.
Às vezes, quando entro em confusão mental ou emocional, dádiva humana certamente compartilhada por muitos, costumo sair em deslocamento por algum lugar. Gosto principalmente de correr, nos pastos. Parece que a cada pernada dada, o pensamento se organiza, toma rumos mais claros, entra em ordem, ganha oxigênio e vida.
Mas não foi isso que presenciei hoje. Naquele pasto de asfalto, estavam corpos em andamento acelerado. Incrivelmente determinados e focados...na frente. A frente é muito mais importante do que o “atrás”. Já dizem os ditados populares: “é pra frente que se anda”. Ou que, “quem olha pra trás tropeça”. E até associam o atrás com aquilo que passou, o tal do não valorizado passado, ao qual não podemos ficar “presos”!
Então, parece que o negócio é escolher. Ou um ou outro. Nada de ficar no meio do caminho, ou no entorno, andando em linhas curvas que só aumentam a trajetória e consomem o precioso tempo. Afinal, o que seria de nós se começássemos a ver o mundo com todos os sentidos e em todas as direções? Seríamos insuportavelmente flexíveis?
Ouvir com as narinas, olhar com as orelhas, comer com os olhos, degustar com o corpo em suas complexas partes e deixar-se confundir por tudo isso, alternando as experiências, em espirais insanas. Talvez assim pudéssemos ter encontros não planejados, belezas incalculáveis, sensações profundas, ideias revolucionárias...ou ao menos algumas micro surpresas agradáveis.
Mas. Estamos todos bem treinados. Afinal, chegar é o que importa. Ou não é?
"As três graças" por Christiana Sarasidou
Dia sete de Março cerca das cinco horas da tarde. Me tornei parte dela. Ela me recebeu com braços abertos e dormi na sua cama. Ela me protegeu da raiva daquela cabeça presa, me refrescou na sua escada e me fez arrepiar com os seus sinos. Não esperava que ela poderia ser tão acolhedora. Não foi assim que eles a descreveram. Foi com outros cheiros e outras cores. Não usaram nem canela, nem agrião, mas nem hortelã sentiram. Tem sorte quem pode encontrar fogo onde reina a água. É até mais sortudo quem acha a companhia certa para isso, quando consegue inflar o seu ego o deixando pra trás. Quando a sua existência encontra ciclos similares e compõe um grupo que flutua na praça dos sentimentos mais maravilhosos. Na mesma praça onde ontem não cabia nem a tristeza. Hoje estava diferente. Hoje tinha espaço pra nós.
PROCEDIMENTO OBRA II: AS TRÊS GRAÇAS (07/03/2016) Por Karime Nivoloni
PRAÇA DA SÉ Duração 1h30
ARTISTA CONVIDADO: ALCIMAR FRAZÃO
Infundir.
Minar camadas no espaço.
Das raízes simbólicas,
das matrizes ocidentais: evocar as três graças.
Beleza, encanto e abundância;
Aglaia, Eufrosina e Tália;
castidade, beleza e amor;
beleza, desejo e satisfação...
Praça da Sé. Centro de São Paulo. Marco-Zero.
Contradições, incongruências e co-existências.
Olhares, sujeira e concreto.
Suspensão do tempo, dilatação do espaço e pausa dos corpos espectadores.
Igreja, homens e pobreza
desgraças veladas... explicitas... comungadas...
registros celulares, videográficos e vocais.
Questionamentos sonoros atravessam a lentidão que se instaura...
sobre arte, sobre dinheiro, sobre curiosidades.
… depois eu que sou a louca...
e a presença dos olhares que eu vi. Com os meus olhos.
Cravados na memória.
Gravados no papel riscado. Sobreposto. Transparente.
Um olhar que não me é imparcial.
Que me revela, acolhe e afasta.
Simultaneamente. Afetivamente. Profissionalmente.
A pausa ordenada esculpe os corpos,
que criam lacunas no espaço e, das coincidências do mundo,
me colocam segurando duas cabeças na escadaria
enquanto dobram os sinos.
Sinos gravados... mas ainda imponentes.
Dos acasos pré-combinados espiritualmente com as entidades:
a chuva que lava as esculturas, as pessoas e a escadaria.
No final.
Ou de um pai nosso que des-sacraliza nosso rito pagão
de três graças pagas, urbanamente vestidas (como não manda o figurino)
e (eu, falo por mim) atravessada pela tentativa, [quase]
desesperada, de dar algum sentido à.
Experiência, existência... condição.
Do “animal que logo sou”, do sistema engendrado em nosso cerne.
Da poesia das fatalidades.?
“As três graças” por Liana Zakia
Praça da Sé, Marco Zero, São Paulo. Ano 2016. 7 de março.
Tomada por grande dose de adrenalina me posiciono e apoio as mãos no monumento central, me debruçando sobre o estado do Paraná. O dia está quente e por isso emana da pedra um calor que rapidamente é absorvido pelo meu corpo, na tentativa não tão consciente de, me sentir ali, como parte fundamental da superfície da paisagem. Este meu ato, carregado de uma presença irremediável, reverbera no outro e o afasta de mim, como se, por um instante, eu tomasse seu lugar, fazendo-me maior, em força, presença e tamanho. Junto-me às outras, e clamo ao universo qualquer tipo de proteção. Olho em volta, como quem deseja estar sem ser tão visto, mas já é tarde. A praça está habitada por corpos ávidos pelo encontro. Encontros estes que não se explicam mas se compreendem, nas muitas camadas da relação presentificada pela cumplicidade. Com certa rapidez, como lhe é devido, o frio nas vísceras abdominais se dissipa e o calor da pedra-monumento e dos olhares atentos em busca do encontro me confortam e me permitem abraçar o chão com o corpo. Começo então a enxergar. O céu, as colunas catedráticas, as altas e virtuosas palmeiras, as pequenas e perceptíveis fuligens do chão cinzento, as câmeras dos celulares, do tripé, os detalhes, os pés, as pessoas. No entorno, uma energia circular. Algo parecido com aquilo que reconheço como platéia mas, esta, em particular, se encarrega de contemplar e proteger. E assim, me dou conta de que não somos apenas três. Somos muitos. O outro, que de longe nos observa, ainda não se faz visível. Aquele, que tenta a todo custo conquistar visibilidade, não têm êxito e é convidado pelas forças atuantes no “nós”, a se distanciar e abandonar sua voz. Encontro mundos diversos. Converso em um recorte de tempo, com a voz do corpo e dos olhos, gracejando o outro em sua-minha intimidade nublada, em meio aos fios de cabelo que nudam e desnudam meus olhos físicos. E quando sopra o vento mais forte, vejo que já é outro. Outro rosto, outro traje, outra postura, outra atenção, outra busca, outra pergunta, outra presença. Mas o outro, é homem. Só. Apenas. Muitos. A cada gesto e postura criamos juntos uma infinita rede de sentidos. Alguém se pergunta, em silêncio absoluto, o que aquilo quer dizer. E quer dizer? Preciso dizer? Há uma sentença? Acontece que olhando pra ti também vejo apenas perguntas e gostaria muito de poder lhe conceder muitas respostas, se permitir que carreguem em si, a potência das interrogações. A única voz que de fato é dita, imperativa e clara, carregada de intenção, é a voz dele. Nos pede a pausa, em variadas intensidades. A voz, às vezes demora a chegar no corpo, ou talvez, o corpo é que demore a querer escutá-la. Mas acontece e a praça pausa. Nós, os outros, o barulho, os olhares. Simplesmente pausam. Quando reaparece, a voz nos orquestra rumo ao movimento e, aquele outro, antes tímido, é atravessado pelo desejo de brincar, de interferir, de se aproximar, de nos confundir. Talvez tenha encontrado um sentido do estar. Enquanto as escadarias se aproximam, ou, enquanto nos movemos sentido à escadaria, o céu nubla, já que havíamos feito um tratado de antemão, por água leve chovendo no rosto. Calma. Ainda não é hora. Voltem e fiquem perto do poste. Gosta de desenhar sobre o traçado daquela arquitetura. Atravessem apenas quando o sino estiver para soar. E toca. Bate. Não sei como se diz. Sei que ao tocar, vibra o concreto-pedra da escadaria e elas dançam embaixo de nossos pés, causando-me arrepios de baixo pra cima e culminando em um desejo não pré-meditado ou ensaiado de fechar os olhos e sentir meu corpo por dentro. E naquele momento, me torno som, vibração e força e avançando com segurança alguns degraus, ela vem. A única que evocamos. Ela, com sua delicadeza e graça. Amém. Está chegada a hora de rezar o Pai Nosso.
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